Viralizou nas redes sociais um post no facebook em que o crítico de cinema Pablo Villaça ironiza a forma como a mídia noticia a crise econômica. Você pode ler abaixo.
APESAR DA CRISE
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Eu fico realmente impressionado ao perceber como os colunistas políticos da grande mídia sentem prazer em pintar o país em cores sombrias: tudo está sempre “terrível”, “desesperador”, “desalentador”. Nunca estivemos “tão mal” ou numa crise “tão grande”.
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Eu fico realmente impressionado ao perceber como os colunistas políticos da grande mídia sentem prazer em pintar o país em cores sombrias: tudo está sempre “terrível”, “desesperador”, “desalentador”. Nunca estivemos “tão mal” ou numa crise “tão grande”.
Em primeiro lugar, é preciso perguntar:
estes colunistas não viveram os anos 90?! Mas, mesmo que não tenham
vivido e realmente acreditem que “crise” é o que o Brasil enfrenta hoje,
outra indagação se faz necessária: não lêem as informações que seus
próprios jornais publicam, mesmo que escondidas em pequenas notas no
meio dos cadernos?
Vejamos: a safra agrícola é recordista, o
setor automobilístico tem imensas filas de espera por produtos, os
supermercados seguem aumentando lucros, a estimativa de ganhos da Ambev
para 2015 é 14,5% maior do que o de 2014, os aeroportos estão lotados e
as cidades turísticas têm atraído número colossal de visitantes. Passem
diante dos melhores bares e restaurantes de sua cidade no fim de semana e
perceberá que seguem lotados.
Aliás, isto é sintomático: quando um país
se encontra realmente em crise econômica, as primeiras indústrias que
sofrem são as de entretenimento. Sempre. Famílias com o bolso vazio não
gastam com supérfluos – e o entretenimento não consegue competir com a
necessidade de economizar para gastos em supermercado, escola, saúde,
água, luz, etc.
Portanto, é revelador notar, por exemplo,
como os cinemas brasileiros estão tendo seu melhor ano desde 2011.
Público recorde. “Apesar da crise”. A venda de livros aumentou 7% no
primeiro semestre. “Apesar da crise”.
Uma “crise” que, no entanto, não
dissuadiu a China de anunciar investimentos de mais de 60 bilhões no
mercado brasileiro – porque, claro, os chineses são conhecidos por
investir em maus negócios, certo? Foi isto que os tornou uma potência
econômica, afinal de contas. Não?
Se banissem a expressão “apesar da crise”
do jornalismo brasileiro, a mídia não teria mais o que publicar. Faça
uma rápida pesquisa no Google pela expressão “apesar da crise”: quase
400 mil resultados.
“Apesar da crise, cenário de investimentos no Brasil é promissor para 2015.”
“Cinemas do país têm maior crescimento em 4 anos apesar da crise”
“Apesar da crise, organização da Flip soube driblar os contratempos: mesas estiveram sempre lotadas”
“Apesar da crise, produção de batatas atrai investimentos em Minas”
“Apesar da crise, vendas da Toyota crescem 3% no primeiro semestre”
“Apesar da crise, Riachuelo vai inaugurar mais 40 lojas em 2015″
“Apesar da crise, fabricantes de máquinas agrícolas estão otimistas para 2015″
“Apesar da crise, Rock in Rio conseguiu licenciar 643 produtos – o recorde histórico do festival.”
“Honda tem fila de espera por carros e paga hora extra para produzir mais apesar da crise,”
“16º Exposerra: Apesar da crise, hotéis estão lotados;”
“Apesar da crise, brasileiros pretendem fazer mais viagens internacionais”
“Apesar da crise, Piauí registra crescimento na abertura de empresas”
Apesar da crise. Apesar da crise. Apesar da crise.
A crise que nós vivemos no país é a de falta de caráter do jornalismo brasileiro.
Uma coisa é dizer que o país está em
situação maravilhosa, pois não está; outra é inventar um caos que não
corresponde à realidade. A verdade, como de hábito, reside no meio do
caminho: o país enfrenta problemas sérios, mas está longe de viver “em
crise”. E certamente teria mais facilidade para evitá-la caso a mídia em
peso não insistisse em semear o pânico na mente da população – o que,
aí, sim, tem potencial de provocar uma crise real.
Que é, afinal, o que eles querem. Porque
nos momentos de verdadeira crise econômica, os mais abastados permanecem
confortáveis – no máximo cortam uma viagem extra à Europa. Já da classe
média para baixo, as consequências são devastadoras, criando um quadro
no qual, em desespero, a população poderá tender a acreditar que a
solução será devolver ao poder aqueles mesmos que encabeçaram a
verdadeira crise dos anos 90. Uma “crise” neoliberal que sufocou os
miseráveis, mas enriqueceu ainda mais os poderosos.
E quando nos damos conta disso,
percebemos por que os colunistas políticos insistem tanto em pintar um
retrato tão sombrio do país. Porque estão escrevendo as palavras
desejadas pelas corporações que os empregam.
Como eu disse, a crise é de caráter. E, infelizmente, este não é vendido nas prateleiras dos supermercados.
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